Carta de um jovem além-túmulo
Amigos, caros amigos, ouçam-me!
Escutem-me como nunca escutaram seus pais, nem os conselhos que muitos
deram a vocês. Escutem as palavras de um jovem que deixou para trás a
doce aurora da vida e trancou-se na solidão de um túmulo.
Eu fui como qualquer um de vocês: alegre, feliz, cheio de vida, de
amores e paixões. Tive sonhos e fantasias, sorri e chorei, amei e fui
amado. Também tive a triste ilusão de que a negra Morte jamais me
encontraria em meio a milhões de pessoas. Também pensei que ela existia
apenas para os velhos e os doentes; também pensei que o vigor de minha
mocidade jamais seria vencido, e que o perigo era apenas uma maneira
divertida de viver a vida. Também tive a infelicidade de acreditar que
as coisas ruins só acontecem com os outros e, por isso, sempre abusei da
sorte.
Eu tinha uma vida bela, tão ou melhor que a sua. A cada passo que eu
dava encontrava um amigo, um sorriso, um amor. Mas eu queria mais. Eu
queria ir mais longe, desafiar os perigos, a vida, a morte. A velha
morte que nunca descansa, que está sempre a postos, pronta para por fim a
tênue luz que é a nossa vida.
Assim, dediquei-me às aventuras perigosas. Comecei a misturar
imprudência, irresponsabilidade, bebidas alcoólicas e drogas, coloquei
tudo em um saco e juntei à direção perigosa. No começo era maravilhoso,
pura adrenalina. Demais! Meus amigos achavam o máximo, e eu também
achava, por isso continuava a fazer o mesmo. Até que um dia encontrei
com a velha morte. Ainda tentei resistir, mas somos frágeis demais. Ah,
como somos!
Meus pais choraram, meus amigos me acompanharam até o cemitério e me
fizeram juras de amor eterno. Picharam os muros, criaram páginas nos
sites de relacionamentos, choraram por alguns dias, e até que enfim me
esqueceram. Foi então que percebi que na solidão de um túmulo não tem
nada de romântico. Foi então que percebi que meus amigos já não choravam
mais por mim, e se divertiam como tem que ser, enquanto eu apodrecia
sozinho. Tive vontade de voltar, de abraçar meus amigos novamente, meus
pais, de curtir com eles, de dizer que eu os amava, mas não dava mais.
O caminho que escolhi é um caminho sem volta. A morte é para sempre!
Amigos, caros amigos, foi então que me dei conta e me perguntei: e a
vida, o que fiz dela? Onde ficou a vontade de viver? Cadê o amor
próprio, não existe mais? Percebi que os amigos choram a morte de quem
se vai, mas só por alguns dias. Depois eles vão rir de novo, namorar de
novo, estudar de novo, curtir de novo, enquanto quem morre apodrece no
túmulo, para sempre.
Portanto, pra que morrer tão jovem, tão cedo? Por que não valorizar a
vida? Por que não curtir a bela aurora da vida? Como disse Casimiro de
Abreu: “Como são belos os dias do despontar da existência...”. Ah, como
são! Só agora eu os vejo! Então, por que interromper seus sonhos, suas
realizações, seus sorrisos, seus amores, suas paixões? Por que trocar
tudo isso por um coquetel explosivo de adrenalina e álcool? Não é bem
melhor sorrir com os amigos, cantar e dançar com eles, curtir cada
minuto, em vez de se trancar para sempre na solidão de um túmulo?
Pensem, caros amigos, curtam sua juventude, mas não deixem que a morte
os traga tão jovens para a morada eterna. É verdade que a morte é para
todos, mas não precisa abreviá-la.
Pois podem ter certeza de que a vida é muito mais bela e mais alegre do
que um triste e solitário túmulo.
A todos vocês, saudades eternas, e que eu não os veja tão cedo.
Assinado: um amigo além-túmulo.
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